Quando um filme é realizado com sinceridade e competência, como é o caso de O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias, fica difícil não gostar da história, dos personagens, da intimidade emocional (ou da falta dela) e da estética sentimental presentes na produção. O longa foi co-produzido por Fernando Meirelles (Cidade de Deus), além de ser co-roteirizado por Bráulio Mantovani e editado por Daniel Rezende, colaboradores habituais de Meirelles. Os méritos do bom resultado final, portanto, têm razão de ser, mas devem ser também compartilhados com o elenco, de fato muito bem escolhido.
O roteiro é ambientado no ano de 1970, quando os pais do menino Mauro (Michel Joelsas) dirigem de Belo Horizonte a São Paulo, no bairro do Bom Retiro, para deixar o garoto com o seu avô e se refugiarem em desespero da perseguição política da ditadura vigente na época. O desencontro e a tragédia ocorrem quando os pais partem e o moleque fica esperando pelo avô, que morre no mesmo dia. Contando com a boa vontade dos vizinhos e amigos do avô, em especial o velhinho Shlomo (Germano Haiut), Mauro passa a viver de favores dos outros enquanto aprende a conviver com a rotina do povo judeu, faz alguns amigos e se diverte com sua grande paixão, o futebol. O maior evento do esporte, a Copa do Mundo do México, se aproxima, assim como a data de retorno de seus pais, que ele aguarda com uma ansiedade crescente.
O diretor Cao Hamburger optou por impor um ritmo lento, onde todos os eventos são vistos sob o olhar de uma criança e, como tal, ganham a importância devida sem interferir demais no cerne da história, que se concentra na sofrida espera do garoto pelos pais. O pano de fundo político é esmiuçado somente ao ponto de garantir uma motivação contínua para a solidão de Mauro, que ainda não entende muito bem porque seus pais não ligam, ou porque há algo muito suspeito sobre o rapaz barbudo que alega ser amigo deles (Caio Blat). Não há concessões gratuitas ou fáceis em sua relação com os adultos, e é gratificante ver a forma como foi desenvolvida sua amizade com Shlomo. A comunidade judaica, inclusive, ganha uma representação que parece bastante fiel. E, como não poderia deixar de ser, vários lances da maior paixão esportiva do povo brasileiro durante a campanha da Copa de 70 aparecem de lambuja, o que por si só dispensa comentários.
Além da política, há na história algum humor, drama e senso de aprendizado, que não chega a ganhar contornos mais abrangentes pelo fato da jornada de Mauro não enveredar muito adentro em seu período de adolescência. Michel Joelsas, por sua vez, demonstra boa presença cênica e leva o papel de protagonista numa boa. A fotografia do filme é bonita e tende para o lúgubre às vezes, refletindo a atmosfera do subúrbio paulistano com sensibilidade. A direção é precisa e só derrapa em alguns diálogos das crianças, que não conseguem sobrepujar a artificialidade inerente à sua pouca experiência diante das câmeras. Em todos os demais quesitos criativos, no entanto, O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias soa bastante competente.
Uma influência que transparece bastante na história consiste nos filmes europeus intimistas, sendo um dos mais importantes expoentes neste caso o sueco Lasse Hällstrom. O filme brasileiro, por exemplo, trilha um caminho mais ou menos semelhante àquele de Minha Vida de Cachorro (1985), sem dever nada em matéria de emoção.
Visto no cinema em 7-MAR-2007, Quarta-feira, sala Cinemais 3 do Shopping 3 Américas - Texto postado por Kollision em 12-MAR-2007