Um thriller que é, ao mesmo tempo, uma comédia de humor negro. Uma história que prende a platéia do início ao fim, passando-se toda durante apenas uma noite. Um diretor talentoso saído de um início de produção fracassado de um filme chamado A Última Tentação de Cristo (que seria retomado dois anos depois deste) e disposto a recuperar sua mágica em fazer filmes. A combinação destes fatores resultou em Depois de Horas, um dos pontos altos na carreira de Martin Scorsese e um dos melhores filmes da década de 80.
Griffin Dunne é Paul Hackett, operador de computadores entediado que decide pegar o telefone e ligar para a bela garota que acabou de conhecer no café da esquina enquanto lia Trópico de Câncer, de Henry Miller. Ele inicia sua aventura noturna e pega um táxi para o outro lado da cidade, caindo num bairro que absolutamente não conhece. Perde todo o seu dinheiro, envolve-se com a garota com a qual pretendia e com várias outras, e acaba por fim sendo sugado para um mundo repleto de personagens caricatos e exagerados, que farão de sua noite um verdadeiro inferno na Terra.
O conhecido tino de Scorsese para retratar sagas urbanas casa de forma sublime com o inspirado roteiro do filme, produzido pelo próprio Griffin Dunne e por Amy Robinson (que havia trabalhado como atriz para Scorsese em Caminhos Perigosos, de 1973). Assistir ao filme é um deleite. Trata-se de um excelente conto nova-iorquino em que a atenção do espectador é cativada da primeira à última cena, seja pelas situações inusitadas às quais o personagem principal é submetido ou pelo elenco magistral, em especial o excelente Dunne e Rosanna Arquette, apetitosa e tentadora como a misteriosa garota das queimaduras. É de fato quase inevitável não tecer um paralelo da história com o conto Alice no País das Maravilhas, sendo Alice representada aqui por Paul e todas as bizarrices do mundo encantado tomando forma nas figuras malucas que atormentam o rapaz através de sua fatídica noite de aventuras.
Talvez o fascínio do filme deva-se em parte à facilidade com que a platéia se identifica com Paul, pelo menos no início do filme. Como ele, muitas vezes nos sentimos presos a uma rotina entediante, ansiosos por encontrar algo que nos faça viver algo diferente e inusitado. Paul toma coragem e vai em frente, da forma como muitos de nós gostariam de fazer às vezes. Depois de sermos cativados por ele e por sua coragem inicial, é possível relevar as incríveis coincidências e o nível cada vez mais exagerado das situações em que ele se envolve, que se não chegam a soar demasiadamente forçadas é por total mérito do roteiro de Joseph Minion e da direção magistral de Scorsese.
A seção de extras contém um making-of de quase vinte minutos, 8 min. de cenas excluídas (com versões alternativas para várias cenas-chave do filme) e trailer de cinema.
Texto postado por Kollision em 17/Outubro/2004